sexta-feira, 25 de abril de 2014

Seqüência 10 de novovo



            Lia e relia já aquelas notas. Nenhuma pista. A entrevista, um bate-papo amistoso entre dois velhos conhecidos, prosseguia por páginas e páginas, regada a álcool e sabe-se lá que mais, lembranças de uma convivência que à época já beirava os trinta anos. Mas não tinha nada de útil. Afinal, era velharia. Tivera um trabalho da porra para tirar aquilo do acervo doado pela família de Antonio Izabel à universidade, e, no seu ponto de vista, nenhuma recompensa, visto que a enorme decupagem era, afinal, apenas uma curiosidade. A entrevista nunca havia sido publicada, ainda que Antonio tivesse tomado o cuidado de transcrevê-la por inteiro, provavelmente reutilizando as fitas depois.
            Irritado, Dário pôs os papéis de lado, de volta à enorme pilha que começava a lhe parecer como um tumor que ele arrastava para todo canto que ia.
            - Vai ler isso tudo, sentado aí?
            A pergunta vinha da sorridente moça de olhos escuros que lhe servia a segunda cerveja, enquanto limpava a mesa com um pano úmido.
            - Eu já li isso tudo. Mais de uma vez. É força do hábito, eu me espalhar assim, deixando a mesa cheia dos meus papéis. Mas nunca é mesa de bar. – ele ri, ela sorri. – Mas eu já li isso tudo. Melhor guardar, não é? Vou acabar derramando cerveja em cima. Sou um desastre.
            - E você também não é daqui, leitor afobado.
            - Não, não sou. Mas também não sou afobado. Por isto estou sentado aqui.
            - Está esperando alguém?
            - De certa forma. Já ouviu falar de alguém chamado Pedro Conselheiro?

            A conversa entre o forasteiro Dário e a balconista do bar da Pousada deu-se por pouco mais que quatro minutos, quando Ré-Barba, um bebum tradicional desses que povoam as calçadas e bares, bateu no balcão, pedindo uma pinga. Para um homem, no entanto, aquele distraído bate-papo parecia ter durado toda uma eternidade. Pernalonga, sentado no canto oposto do bar, junto aos engradados empilhados de cerveja, observava atentamente o bailar imóvel do corpo da atendente que, passadas quase duas semanas, ele ainda não tinha tido coragem de perguntar pelo nome, embora todos os dias mantivesse uma espécie de diálogo simples e pré-marcado com ela, donde obtinha sua ração contumaz de cerveja, cachaça e tira-gosto.
            Com razão, Pernalonga tinha de ouvir a troça de Francisquim que o zoava dizendo que ele esperava que, em algum momento, a moça despertaria para si mesma e o encararia através e além dos olhos vermelhos de maconha e beiço inchado de cachaça e, de alguma forma, iria encontrar o verdadeiro amor, naquela confusão de braços e enapopés que se emarafanhavam noite afora, sem mistério algum, no resfolego da masturbação, lençóis sujos e calças manchadas.
            Cenário montado, Pernalonga soube que aquele homem não podia mais ficar ali. As mãos na cintura, o pé direito tocando no chão apenas pela ponta da sandália, o leve chacoalhar da cintura, até o cabelo sendo colocado pr’atrás da orelha. Pernalonga sabia que ela seria do outro. Se ele permitisse que o outro permanecesse ali.
            Assim, pôs-se Pernalonga a agir da forma que lhe era mais comum: puro impulso e improvisação. Assim que a garota voltou para o balcão, levantou-se, passando por ela e, na costumeira falta de jeito, deixou o dinheiro da cerveja (faltando vinte e cinco centavos) no balcão e foi em direção ao estranho.
            - Você falou de Pedro Conselheiro, não foi? Desculpe. Eu estava ouvindo. Eu acho que posso te ajudar a encontrá-lo. Eu? Sou o Pernalonga. Sou uma lenda, pode perguntar por aí. Pululam histórias com meu nome por essa Macuco. Uma lenda sim, senhor. Agora me acompanhe. Você me acompanhe, por favor. Seu nome? Dário. Dário Vuturuá. Prazer, Dário. Eu sou o Pernalonga. A gente tá indo pra minha casa.

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