Lia e relia já aquelas notas.
Nenhuma pista. A entrevista, um bate-papo amistoso entre dois velhos
conhecidos, prosseguia por páginas e páginas, regada a álcool e sabe-se lá que
mais, lembranças de uma convivência que à época já beirava os trinta anos. Mas
não tinha nada de útil. Afinal, era velharia. Tivera um trabalho da porra para
tirar aquilo do acervo doado pela família de Antonio Izabel à universidade, e,
no seu ponto de vista, nenhuma recompensa, visto que a enorme decupagem era,
afinal, apenas uma curiosidade. A entrevista nunca havia sido publicada, ainda
que Antonio tivesse tomado o cuidado de transcrevê-la por inteiro,
provavelmente reutilizando as fitas depois.
Irritado, Dário pôs os papéis de
lado, de volta à enorme pilha que começava a lhe parecer como um tumor que ele
arrastava para todo canto que ia.
- Vai ler isso tudo, sentado aí?
A pergunta vinha da sorridente moça
de olhos escuros que lhe servia a segunda cerveja, enquanto limpava a mesa com
um pano úmido.
- Eu já li isso tudo. Mais de uma
vez. É força do hábito, eu me espalhar assim, deixando a mesa cheia dos meus
papéis. Mas nunca é mesa de bar. – ele ri, ela sorri. – Mas eu já li isso tudo.
Melhor guardar, não é? Vou acabar derramando cerveja em cima. Sou um desastre.
- E você também não é daqui, leitor
afobado.
- Não, não sou. Mas também não sou
afobado. Por isto estou sentado aqui.
- Está esperando alguém?
- De certa forma. Já ouviu falar de
alguém chamado Pedro Conselheiro?
A conversa entre o forasteiro Dário
e a balconista do bar da Pousada deu-se por pouco mais que quatro minutos,
quando Ré-Barba, um bebum tradicional desses que povoam as calçadas e bares,
bateu no balcão, pedindo uma pinga. Para um homem, no entanto, aquele distraído
bate-papo parecia ter durado toda uma eternidade. Pernalonga, sentado no canto
oposto do bar, junto aos engradados empilhados de cerveja, observava
atentamente o bailar imóvel do corpo da atendente que, passadas quase duas
semanas, ele ainda não tinha tido coragem de perguntar pelo nome, embora todos
os dias mantivesse uma espécie de diálogo simples e pré-marcado com ela, donde
obtinha sua ração contumaz de cerveja, cachaça e tira-gosto.
Com razão, Pernalonga tinha de ouvir
a troça de Francisquim que o zoava dizendo que ele esperava que, em algum
momento, a moça despertaria para si mesma e o encararia através e além dos
olhos vermelhos de maconha e beiço inchado de cachaça e, de alguma forma, iria
encontrar o verdadeiro amor, naquela confusão de braços e enapopés que se
emarafanhavam noite afora, sem mistério algum, no resfolego da masturbação,
lençóis sujos e calças manchadas.
Cenário montado, Pernalonga soube
que aquele homem não podia mais ficar ali. As mãos na cintura, o pé direito
tocando no chão apenas pela ponta da sandália, o leve chacoalhar da cintura,
até o cabelo sendo colocado pr’atrás da orelha. Pernalonga sabia que ela seria
do outro. Se ele permitisse que o outro permanecesse ali.
Assim, pôs-se Pernalonga a agir da
forma que lhe era mais comum: puro impulso e improvisação. Assim que a garota
voltou para o balcão, levantou-se, passando por ela e, na costumeira falta de
jeito, deixou o dinheiro da cerveja (faltando vinte e cinco centavos) no balcão
e foi em direção ao estranho.
- Você falou de Pedro Conselheiro,
não foi? Desculpe. Eu estava ouvindo. Eu acho que posso te ajudar a
encontrá-lo. Eu? Sou o Pernalonga. Sou uma lenda, pode perguntar por aí.
Pululam histórias com meu nome por essa Macuco. Uma lenda sim, senhor. Agora me
acompanhe. Você me acompanhe, por favor. Seu nome? Dário. Dário Vuturuá.
Prazer, Dário. Eu sou o Pernalonga. A gente tá indo pra minha casa.
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