terça-feira, 15 de abril de 2014

Seqüência 4 - Goiabada no ar




            Pernalonga foi quem começou a cantar

Tá na hora, tá na hora
Eeeu queero laricar
Fuma, fuma, tosse, tosse
O beque não vou largar

Dá um tapa e vai pra frente,
solta a fumaça e cai pra trás
Se quiser fumar com a gente,
pode vir, que aqui tem mais

Acende o beque aê, ô ô ô
Acende o beque aê, ô ô ô
Acende o beque aê, ô ô ô

parando logo com a paródia porque cantarolar aquilo sem um baseado não tinha serventia alguma. Tanto que os roedores, Pernalonga e Tompinhão-Coelho, apertavam o passo, ambos carregando mochilas, bolsas e, no caso do primeiro, uma vassoura nova.
            Samurai havia desaparecido no momento em que Pernalonga entrara em cena. Não só não gostava de ser visto na companhia de um traficante pé-de-chinelo, como nunca vira muita graça em fumar maconha. Tompinhão-Coelho, por outro lado, estava ansioso pela familiar neblina de torpor.
            No caminho para o Morro do Palhaço, ou Bairro Doutor Chiquito, como preferem os moradores, Pernalonga e Tompinhão-Coelho foram interrompidos por um senhor bem matuto, que estava apoiado na bicicleta parada, debaixo do chuvisco, pitando um cigarrinho fedorento de palha por sob a aba do chapéu . Ele, então, tirou o chapéu, fez uma mesura seca e falou pra Pernalonga: “Ô, meu menino. Meus sentimentos, tá? Que Deus-Nosso-Senhor te traga consôl, tá?”
            Pernalonga agradeceu, disse mais algumas palavras e continuou andando. Logo, Tompinhão-Coelho perguntou-lhe do que se tratava aquilo: “Quem morreu, Perna?”
            “Meu tio”, respondeu o outro, languidamente.
            “Aquele que te criava? Quando isso, cara?”
            “Ontem. O enterro foi hoje de manhã.”
            Tompinhão-Coelho engoliu em seco, parou por um segundo e então tentou se sair com isto: “Pô, bicho... Então... Você... Você nem chegou a tempo de ver o velho descer?”
            “Descer pro inferno?”
            Putz, quanta merda já se foi dita depois da morte de alguém? Com certeza nada se comparava à vez que a Molecada ia tomar cachaça na Capela Mortuária e se depararam com um velório, desceram amuados e Samurai se queixou para Zelito: “Porra, a gente ia sentar quieto lá, mas um raio duma mulher morreu e agora tem que ficar todo mundo pela”, disse naquele atropelo natural todo dele.
            E ao que Zelito respondeu que "Sim, é o velório da minha mãe" e ninguém soube onde enfiar a cara, Samurai, sendo o mais velho, deu também os pêsames e quase na mesma hora riu como o diabo, que afinal o mico era bom.
            Mas Tompinhão-Coelho se salvou de não ter onde enfiar a cara, que um carro parou bem do seu lado, com jeito de que era pra eles dois que parava, ou para entrarem ou para o govorite comum, que é o que era. E por ser incapaz de identificar a marca ou a placa do carro, ele soube que era Jorge Tadeu quem estava dirigindo.

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