quarta-feira, 2 de abril de 2014

Seqüência Zero

                A história começa com dois homens. Poderíamos também chamá-los de chapadões lariquentos, mas nos atenhamos ao básico: eram homens e estavam sentados no banco da frente de uma caminhonete meio esculhambada. E esses homens, chapadões e lariquentos discutiam se era melhor comer a barra de chocolates agora ou daqui a pouco, quando o calor macuquense já a tivesse derretido ao ponto da dor de barriga colérica.
                Enquanto o primeiro homem, de nome Olavinho (o carinhoso diminutivo, proferido pela mãe ao lhe chamar um dia no portão da escola, nunca mais saiu da boca dos amigos), sugava as pontas dos dedos tentando se livrar das manchas brancas de Galak, o outro homem, conhecido como Chapi (diminutivo de chapadão), menos afeito a chupar qualquer coisa que não fosse um baseado, emporcalhava de chocolate um guia rodoviário local.
                 E chegava a conclusão de que não tinha a menor ideia de onde estavam.
                 Mas, como fantasmas em um teatro, temos a oportunidade de ver além dos frágeis fios que se contorcem na parte dianteira do painel. E sabemos exatamente onde Olavinho e Chapi estavam: bem no meio da Volta do Umbigo, na encruzilhada que se destaca da trama de estradas sem saídas que se se alonga à direita do mapa ai em cima.
            Chapi sujava o guia enquanto Olavinho, ainda lambendo os dedos, saiu para se informar das direções que deveriam tomar, que estava ficando tarde e nenhum dos dois queria estar ali caso uma patrulha aparecesse. Não com a carga que carregavam.
                  Sozinho no carro, Chapi achou que era uma boa idéia se espreguiçar e tirar uma água do joelho. Resolveu fazer isso longe, porque estava ficando enjoando com o cheiro forte de amônia que vinha da carroceria e, talvez, só talvez, estivesse querendo ficar um pouco sóbrio para variar.
                  Enquanto o mijo se projetava num largo arco dourado esfumacento, Chapi ouviu a caminhonete sendo ligada - Olavinho, apressando o amigo, como de costume -, mas não parou de urinar e tampouco deixou que pingasse nas calças enquanto balançava o pinto pequeno perdido em pentelhos. Não, Chapi fez tudo com calma. E ainda lembrou-se de pegar o chocolate no bolso de trás, para que não criasse uma nova mancha no banco. Isso iria irritar Olavinho.
                 Mas Chapi teve que correr quando ouviu o barulho do carro saindo em disparada e chegou ao local onde outrora esteve estacionado no mesmo momento que Olavinho, que vinha correndo de outra direção, com as calças molhadas de mijo e o pinto ainda balançando através do zíper aberto.
                   "Roubaram o carro", Chapi abrilhantou o momento relatando o óbvio ululante.
                   "Pelo menos você ainda tem o chocolate, certo?"
              Então, os homens já não tão chapadões, mas obviamente lariquentos, que perderam o carro, seguiram a pé pela Volta do Umbigo. Mas como não conheciam o caminho, eles foram na direção errada.

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